Heróis, vilões e a política na cultura pop

unsplash-logo Imagem por Alicia Quan

Há mais ou menos um ano eu assisti Pantera Negra. Depois de uns dias digerindo o filme me veio a ideia de escrever esse texto, mas pra falar a verdade eu não tava com disposição pra falar sobre política na internet. Um ano bem turbulento depois, eu tô com essa disposição.

Um fenômeno que tem me chamado bastante a atenção é o de pessoas que se revoltam com diversas produções artísticas, principalmente para cinema e televisão, dizendo que infâncias estão sendo estragadas e estão colocando política em tudo.

A principal dor dessas pessoas é ver que obras que antes eram percebidas puramente como entretenimento, como um filme de herói ou de guerra no espaço, agora querem “lacrar” ou pagar de filme que prega “justiça social”. E pra mostrar o que eu acho disso, vou recorrer a algo que aprendi no colégio.

Durante o ensino médio eu dei muita sorte de ter um ótimo professor de literatura. Além de me ensinar coisas como romantismo e modernismo (que pra ser sincero eu nem lembro tão bem) ele me ensinou uma coisa muito importante. É impossível entender completamente uma obra de arte sem entender o contexto no qual ela foi criada.

Por exemplo, tentar ler O Auto da Barca do Inferno nos meus 14 anos de idade foi difícil. Me pareceu uma sequência de palavras estranhas com algum sentido vago. Mas depois de entender como era a sociedade quando aquele livro foi escrito consegui entender melhor o que o autor quis dizer com a obra e, num passado um pouco mais recente, até me ajudou a entender letra de rap.

Nenhuma obra artística existe por si só. O estado da sociedade em que a obra é feita é parte integrante da obra em si. A arte reflete o mundo em volta dela. E quando a gente é criança é difícil perceber isso porque nosso conhecimento sobre o mundo é bastante raso. E pra exemplificar isso vou usar um filme que estava fazendo sucesso no cinema no dia em que eu nasci: O Rei Leão.

Este filme é um clássico. Amado por muita gente, inclusive por muita gente que diz que política tem que ficar separada da arte, ou do entretenimento. Apesar disso, O Rei Leão é uma obra que tem uma forte inspiração em eventos políticos. Mais especificamente em eventos políticos que aconteceram na África do Sul protagonizados por Nelson Mandela.

Apesar de parecer somente uma história bonita sobre animais, O Rei Leão conversa diretamente com eventos do mundo real. Assim como Os Flintstones podem parecer somente uma história boba sobre uma família vivendo na idade da pedra, quando na verdade mostrava situações inspiradas na sociedade onde o desenho foi concebido, os Estados Unidos da década de 1960.

Diversas obras de arte e entretenimento que eu cresci assistindo e que pro meu olhar infantil pareciam “somente entretenimento” continham em si relações fortes com o mundo real, sob o viés de quem as criou. Em outras palavras, continham posicionamentos políticos. Eu só não tinha conhecimento suficiente do mundo à minha volta pra perceber isso.

Colocar política na arte não é algo novo. Isso sempre ocorreu. Criar uma história da She Ra onde o protagonismo é de uma personagem feminina não sexualizada é um posicionamento político. Do mesmo modo que criar uma história da She Ra onde ela é apenas uma personagem sexualizada que existe em função de um homem existia antes foi um posicionamento político da época. O posicionamento mudou, o mundo mudou. Mas o que não mudou foi o fato de que essas obras tem um posicionamento político, consciente ou não, que ecoa em quem as assiste.

A obra de arte interage com a sociedade à sua volta, por isso que Pantera Negra é um filme tão importante. Não importa quanto a fotografia, enredo, figurino ou elenco do filme de heróis X ou Y possam ser melhores ou não. O impacto que Pantera Negra teve na sociedade foi sem precedentes no cinema de massa. Foi a primeira vez que eu vi um filme blockbuster no cinema com gente preta tendo sua própria cultura, sua própria terra e sendo tratada como realeza. Foi a primeira vez que meu sobrinho de quatro anos que ama super heróis assistiu um filme onde o herói que tá salvando o dia se parece com ele.

Por esse motivo eu acho que reclamar de que “estão estragando sua infância colocando política em tudo” é algo que não faz muito sentido. A política sempre esteve lá, a única diferença é que antes você não conseguia enxergar isso e agora consegue. Se isso te faz odiar os heróis que você amava na infância não significa que uma agenda globalista fez os heróis virarem “guerreiros da justiça social”, mas talvez signifique que você cresceu e agora se parece mais com os vilões que esses heróis costumavam combater.